(Fotos: Ricardo Wolffebüttel/SECOM)
(Fotos: Ricardo Wolffebüttel/SECOM)
RECUPERADOS

Superação em família

Santa Catarina soma mais de 200 mil pessoas que superaram o coronavírus. O bom resultado faz com que o Estado tenha a menor taxa de letalidade do país, de 1,29%, de acordo com dados do Ministério da Saúde

Não foram as dores fortes nem o cansaço. Para Elza Zucchi Lemes, 70 anos, o pior efeito da Covid-19 foi viver a angústia de ter o filho mais velho e o marido internados em estado grave. O momento em que precisou deixar o companheiro de vida no hospital foi um dos mais desesperadores.

“Nós aguardávamos o resultado dos exames quando a equipe médica chegou com a notícia de que eu estaria liberada para fazer o tratamento em casa, mas ele teria que ficar internado. Na mesma hora, trocaram a roupa, puseram os equipamentos e o levaram em uma maca. Eu fiquei ali, desesperada. Coloquei as roupas em uma sacola e vim para a casa sozinha, sem saber se voltaríamos a nos encontrar”, relata Elza, tomada pela emoção da lembrança.

Todos os cuidados para prevenir o novo coronavírus não foram suficientes para evitar que ela, o marido, Ebirajara Corrêa Lemes, 70 anos, dois filhos adultos e um neto adolescente fossem acometidos pela doença. Do diagnóstico positivo até a cura, a família passou por um período de muita angústia. Mas, depois dos dias difíceis, teve início o que eles chamam de nova vida. A família de São José, na Grande Florianópolis, venceu a Covid-19 e está entre os mais de 190 mil recuperados da doença em Santa Catarina.

Para a filha mais moça, Tamary Lemes Ponciano, de 39 anos, e o filho dela, Davi Lemes Franz, 17, a Covid-19 se apresentou de forma leve. Já o filho mais velho, Pedro Lemes, 42, e seu Ebirajara tiveram complicações graves e precisaram de tratamento intensivo.

Pedro foi o primeiro a ir para o hospital. O filho precisou ser intubado e ficou quase 20 dias internado. A obesidade estava entre os fatores de risco para a Covid-19. No momento mais crítico do filho, o pai, diabético e com comprometimento dos pulmões, foi internado na UTI em um outro hospital.

“Minha esposa e eu adoecemos juntos. Eu achava que o caso dela estava mais complicado que o meu, mas, na segunda ida ao hospital e depois de realizarmos exames, ela foi liberada e eu não pude voltar para casa. Fui na mesma hora para a UTI”, lembra Ebirajara.

A batalha da família Lemes no enfrentamento à Covid-19 revela algumas das facetas cruéis desta doença: o medo, o tratamento isolado e a angústia de não saber se o organismo vai conseguir combater o vírus. “De uma hora para a outra, a gente vai e não sabe se volta”, conta o aposentado.

Somos outras pessoas, transformados e conscientes de que é preciso amar mais"
Ebirajara Corrêa Lemes,
aposentado

Com o pai e o irmão internados, a filha Tamary foi quem organizou toda a rotina de cuidados e isolamento na casa, além de receber os boletins médicos de dois hospitais diferentes. Dos dias mais difíceis que enfrentou, lembra das conversas com Deus, isolada e cheia de incertezas. “Eu não podia aceitar que um vírus levaria embora toda a minha família. Eu pedi forças e comecei a acreditar que poderíamos vencer aquele momento. Sou muito grata por ter dado tudo certo e ofereço minha solidariedade a todos aqueles que perderam seus entes queridos”, afirma.

Ao contrário do filho, Ebirajara ficou consciente o tempo todo durante os cinco dias em que esteve internado na UTI. “É uma operação de guerra esta em que pacientes e profissionais de saúde estão enfrentando para vencer esta doença”, destaca. Ele lembra que, no mesmo ambiente em que estava internado, acompanhou gente perdendo a luta para a Covid-19, além do esforço incansável das equipes para salvar vidas.

Depois dos dias turbulentos de tratamento em julho deste ano, eles só pensam em valorizar ainda mais os momentos juntos. Elza e Ebirajara ainda têm sonhos para realizar. Viajar é um deles. Ela quer voltar à Terra Santa. Ele planeja visitar a França, mas afirma que já realizou o maior de todos os desejos: “Eu só pedia a Deus para entrar por esta porta e voltar para a minha casa, nada poderia ser mais importante e eu consegui este milagre”, agradece.

Apesar de ter ficado com comprometimento do pulmão, e por isso precisar encarar sessões de fisioterapia, o aposentado está novamente perto das pessoas que mais ama, como a neta Rebecca. Segundo ele, a menina tem talento para a música e o avô é um incentivador. O teclado onde ela ensaia fica bem próximo à porta de entrada da casa, por onde ele voltou curado. Agora, pode acompanhar Rebecca recitando as primeiras partituras musicais. A garota já consegue tocar os primeiros acordes de um clássico, a Nona Sinfonia de Beethoven - Ode à Alegria.

A música diz: “Ó, amigos, não esses sons! Em vez disso, cantemos algo mais agradável e alegre. Alegre!”. Com apenas oito anos e com a seleta plateia da mãe e os avós, recuperados de uma doença grave, talvez ela ainda não se dê conta de que está fazendo ecoar a trilha sonora que vai marcar para sempre a história de superação da família.

“Somos outras pessoas, transformados e conscientes de que é preciso amar mais, ajudar mais o outro, viver de maneira correta e valorizar mais os momentos em família. Todo o resto pode esperar”, conclui Ebirajara.

SAÚDE

- Ampliação de 127% no número de leitos de UTI
- Mais de 300 mil testes PCR realizados
- Quase 200 mil recuperados da doença
- Quase 11 mil triagens online no site coronavirus.sc.gov.br
- Dados abertos sobre casos de Covid-19 e perfil dos pacientes

Cuidados coletivos

Quando a Covid-19 chegou a Santa Catarina, a psicóloga Maria Inês foi uma das primeiras pessoas no estado a ser diagnosticada com a doença. Felizmente os sintomas foram leves e hoje a catarinense está entre os mais de 200 mil que venceram o coronavírus. Durante o período de recuperação, ela conta que viveu momentos angustiantes e de muitas reflexões.

“Eu nunca havia parado para pensar no quanto faz sentido aquela expressão de que em um minuto tudo pode mudar. De repente, me vi afastada de quem mais amo, do meu trabalho e das coisas que gosto. A angústia de não saber como a doença iria evoluir também pesou bastante”, lembra Maria Inês.

A psicóloga de 54 anos conta que os primeiros sintomas foram uma forte dor de cabeça e dores pelo corpo. Já em quarentena, ela recebeu o resultado positivo para o coronavírus e chegou a ter um episódio forte de falta de ar. A partir deste momento, o medo aumentou, mas Maria Inês buscou pensar positivo e reforçou o contato por videochamadas com familiares para se manter otimista. A fé e o carinho não a deixaram desanimar.

“A minha preocupação também era com o meu marido que é do grupo de risco. Era muito estranho saber que uma doença ainda tão desconhecida e distante estava dentro da minha casa, provocando toda aquela situação de insegurança”. Maria Inês admite que, no começo, pensava que o inimigo invisível não fosse tão perigoso.

Depois de se curar, ela conta que o paladar ainda não voltou, quase seis meses depois, mas agradece que foi a única sequela da doença. Maria Inês lamenta por todos aqueles que enfrentaram as complicações graves da doença ou perderam pessoas queridas para a Covid-19. Pouco tempo depois dela, a sogra, que mora no Rio Grande do Sul, também contraiu a doença, mas não resistiu.

“É muito triste. Essa doença não é brincadeira e não dá para descuidar. A gente não sabe quando isso vai acabar e eu não sei se não posso contrair novamente a doença. Sigo e peço que todos continuem com as recomendações de saúde para evitar a contaminação”, alerta a psicóloga.

Maria Inês sente falta dos abraços no convívio com as pessoas e pacientes, sente falta de passear na praia, mas não abre mão dos hábitos adquiridos para a prevenção do contágio, como o uso de máscara e de álcool em gel. Para ela, estes gestos significam mais que protocolo. Eles são, na prática, a grande lição deixada por esta pandemia.

“A gente precisa pensar no coletivo. Quando eu me cuido, estou cuidando do outro também”, conclui.

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